A pandeireta define-se
como um instrumento unimembranofone de percussão direita.
Dado que o aro tem ferrenhas que ao tocar produzem som, a pandeireta
poder-se-ia incluir também nos idiofones de agitamento.
O pandeiro é
um instrumento bimembranofone de percussão direita.
Uma dos
primeiros vestígios para fazer uma breve história
destes dois instrumentos atopamo-la nos estudos etimológicos:
Antônio Geraldo
da Cunha diz que o termo provém do castelhano panderete
e que aparece no sec. XVI na forma pâdereta.
No castelhano documenta-se
pela primeira vez em 1330 no Libro del Buen Amor com o sufixo
moçárabe –ete:
“Dulce
caño entero, sal com el panderete
com sonajas de
açofar façem dulçe sonete”
|
Este dado, além
de ser o primeiro testemunho, também é importante
pela informação que dá sobre o material com
que se elaboravam as ferrenhas (açofar = latão).
Em 1582 segundo documento
apresentado por José Figueira Valverde, num festejo do
Córpus em Compostela, saía em procissão a
“Cofradia de los tecelanes, con su danza de veinte mozas, con
sus panderetes y adufes, muy bien compuestas”.
Contudo nos séculos
XVI e XVII o nome mais comum do instrumento deveu ser ferrenhas.
Baseamos isto em documentos importantes:
Em Notas Viejas Galicianas
podemos ler contratos que se fazem a ferrenheiros em Noia
a 19 de Junho de 1579 e em Betanços a 19 de Outubro de
1624, 27 de Maio de 1644 e 9 de Junho de 1645.
Nos vilancicos galegos,
usa-se frequentemente ferrenhas e não é até
quase 1800 que se empregará pandeireta (sufixo –eta).
Ainda em Pintos podemos
ler em A Gaita Gallega:
E
mulheres que cantando
E castanholas mexendo
Se espotricam com
as ferrenhas
Repenicam o pandeiro. |
Ferrenhas era uma
metonímia de pandeireta, nomeando a parte pelo todo. Embora
a definição que de ferrenhas nos proporciona Inzenga
não pareça corroborar isto: “usam um género
de instrumento acústico. Chamado pelos galegos ferrenhas
e em Castela sonajas, muito parecido ao sistro que usavam os sacerdotes
de Isis”
O primeiro documento
que o dicionário Vox dá de pandeireta (sufixo –eta)
é dum romance de Juan Meléndez Valdés (1754-1817)
...y
cual em medio de todos
repica la pandereta. |
Também nos
diz (o dicionário Vox) que a Real Academia Espanhola não
incorpora o termo até 1884.
Na Galiza a primeira
referência que encontramos é em Castro de Neira (Mondonhedo
1771-1816) quem num vilancico infelizmente sem datar empregara
já o termo em –eta.
Depois
de fazer-lhe a vénia
A gaita podes sacar
E nosoutros pandeiretas
Para foliada começar. |
Curiosamente na altura
há a variante:
Depois
de ver ao menino
A gaita podes tocar
E nosoutros as
ferrenhas
Para logo a festa
começar. |
Quanto à iconologia,
a mais antiga na Galiza haverá que a buscar no cancioneiro
de Ajuda.
Neste pequeno estudo
histórico não nos é possível aprofundar questões de tipo morfológico, em modos de interpretação,
aprendizagem, etc. Só é importante dizer que em
toda a iconografia vista, até a mais antiga, nunca a mulher
ou o homem toca com punho, mas com a mão aberta.
Coromines data pela
primeira vez a palavra pandeiro em 1335. Diz que em fontes moçárabes
se atopa frequentemente com a forma pandáir. Fá
derivar do latim tardio PANDORIUM, e esta do grego pandurion,
pandûra:”espécie de alaude de três cordas”.
Se a procurarmos no português, Da Cunha diz-nos que vem do castelhano pandero,
com a mesma etimologia que a de Coromines, e documenta-o no XVI.
A fonte castelhana
encontra-se no Arcipreste de Fita (c. 1283 - c. 1350):
Las
triperas le acogen tañendo sus panderos
Caçadores
de dote recorrem los oteros.
Libro de Buen
Amor |
A fonte portuguesa
talvez seja Gil Vicente:
Em
cada casa pandeiro
A gaita em cada
palheiro
A cada porta um
terreiro,
Cada aldeia dez
folias.
Cada casa atabaqueiro
Tambor em cada
moinho... |
Adufe é uma
palavra de possível origem árabe, dull, e que na
General Estoria, s.XIII, aparece como adufle.
Também no
século XIII Martim de Ginzo cantava:
A
do muy bom parecer
Mandou aduffe tanger
Louçana
de amores moyreu (...) |
Santo Isídoro,
nas etimologias nomeia um instrumento chamado pandurio e na Bíblia(Éxodo
15,20; livro de Samuel,I, 18,7,Juízes, 11,34) outro chamado
tôph.
A iconografia mais
antiga na Galiza vêmo-la no tímpano da Igreja de
São Miguel do Monte (Serra do Faro) em Chantada,s.XII.
"Na parte esquerda
há um homem sentado no que parece ser um leão deitado.
Este homem está tanhendo uma viola ou rabel. À sua
direita há uma mulher a dançar e tocando as castanholas,
fazendo uma contorção exagerada do corpo. Por cima
deles, devido à adaptação das figuras ao
espaço atópa-se um homem tocando o pandeiro
quadrado”. A grilheira.
Possivelmente é a gaita o
instrumento mais sexista pois não disponho de dados de
mulheres gaiteiras antes da época contemporânea.
O violino ou a sanfona são também principalmente
instrumentos para homens, mas há documentos contra; em
duas fotografias sem data (princípios de século)
do fascículo nº 8 da História da literatura
galega de “A Nossa Terra”, vêem-se duas violinistas cegas,
uma delas de Mondonhedo. Também numa gravura de Pradilha(
s. XIX ) bem conhecida, vê-se uma mulher com os olhos fechados
( cega ? ) tocando a sanfona, ante um grupo que come e bebe vinho
por malga. Ainda que esta última gravura possa ser fruto
da inventiva do Pradilha,está claro que o século
XIX com períodos liberais, a chegada do progresso
e a desamortização foram relaxando os costumes e
as mulheres puderam dedicar-se a ofícios até então
proibidos. Além disso, foi o século onde começaram
as grandes vagas migratórias e muitas mulheres ficaram
sós com os seus homens no ultramar pelo trabalho ou pelas
guerras.
Antes disso parece
haver uma presença pública da pandeireta e o adufe,
e outra privada ou doméstica. As mulheres tocam a
pandeira nas “fiadas e outros oficíos da noite nas suas
casas”, enquanto o homem ganha dinheiro e assina contratos.
Em 1782 o cónego,
dignidade de Cardeal Maior da S.M.I. de Santiago, D. Andrés
Sobrino Taboada, fez ao pároco de Saiar a seguinte prevenção,
que mostra às claras qual era o espírito da época:
"Exhorte a
sus feligreses que eviten por todos medios las congregaciones
y juntas de jóvenes de ambos sexos, que son muy comunes
en esta parroquia, con motivo de hiladas de lino y lana y frecuentes
las malas y funestas consecuencias, secuela de semejantes juntas,
y que se mantienen no solo en dia sino hasta la mayor parte de
toda la noche,en que facilitan su descanso las personas mayores,
pero lo resisten los jóvenes de ambos sexos, mezclados
con la libertad que quieren, en danzas, en juegos y en una palabra,
en lo que se les antoja, como que no tiene freno. Opónese
a la crianza cristiana, piérdese la vergüenza y el
celo del honor, prenda del sexo femenino...”
Também o Bispo
de Mondonhedo, a 25 de Março de 1738 dirigiu-se ao Ouvidor
Decano da Audiência nos seguintes termos:
“(...) Para evitar
estos daños ha prohibido el acuerdo, por punto general,
que las mujeres solteras habiten por si y sobre si, solas y que
se junten a hacer hiladas y otros oficios de noche en sus casas,
mandando que cada una viva en compañía de sus padres
o parientes o amos a quienes sirvan (...) que remitam a esta casa
de corrección las mujeres que con el título de bodeguras
vivem por sí solas, causando escándalo notorio por
su incontinencia, extendiéndola a las damas que por su
conducta lo merezcan...” Por último se lhes proibia
às mulheres ir trabalhar a Castilha ou às
romerias a não ser que fossem na companhia de “esposo,
padre o pariente” e de incumplir esta lei (5 de Julho de 1776) “las prendan en las cárceles públicas”, e todo isto
porque são conhecidas “las pérdidas y ruínas
así espirituales como temporales,como la experiencia lo
demuestra, que estos eventos provoca, y que después de
perderse el santo temor de Dios, que es lo principal, la honra
padece innumerables desfalcos.”
Com este panorama
a muher tinha poucas possibilidades de dedicar-se a actividades
músico-profissionais.
A razão para
que apareçam as primeiras mulheres sanfonistas ou violinistas,
como já dissemos, pode ter sido a relaxação
de costumes e a perda de poder da Igreja na Galiza depois da desamortização.
Também haveria que valorar a hipótese de que mulheres
sem valimento com a perda da vistativeram que ganhar a vida de
qualquer jeito. Mas isto são simples suposições.